1 Introdução
Há duas meneiras de decrever a interação da radiação eletromagnética com a matéria (átomos). A versão semi–clássica considera o campo como ondas eletromagnéticas clássicas (de energia contínua) e os átomos como sistemas quânticos (com energia discreta e função de onda). Na versão quântica, os átomos são quantizados, e, também, o campo é quantizado (na forma de um conjunto de osciladores quânticos): Isso cria duas situações distintas: a excitação do campo é descrita por fótons que possuem energia proporcional à frequência (nℏω) e a ausência de fótons (n=0) manifesta a energia de ponto zero, ou energia de vácuo (12ℏω).
Quando o campo é tratado quanticamente, fenômenos que antes não eram descritos pelo campo clássico, passam a ser explicados. O exemplo mais famoso é o fenômeno da emissão espontânea — idealizada por Einstein (Einstein 1917). Ao utilizar o campo clássico, a emissão espontânea é explicada de maneira indireta, através dos coeficientes de Einstein. Porém, ao utilizar o campo elétrico como um operador quântico de campo elétrico, a taxa de emissão espontânea é resultado (natural) da aplicação da regra da transição atômica, mais conhecida como regra de ouro de Fermi (Stedman 1971) (J M Zhang 2016).
Neste artigo, vamos deduzir a regra de ouro de Fermi e usá-la para determinar as taxas de absorção e emissão de fótons decorrentes do acoplamento fóton–átomo.
2 Regra de ouro para perturbação periódica
Vamos determinar a probabilidade e a taxa de transição para um sistema com dois níveis de energia (por exemplo, um átomo ou um poço quântico). As transições possíveis são do nível 1 para o nível 2 (absorção) e do nível 2 para o nível 1 (emissão). O sistema é “banhado” por um campo elétrico que oscila periodicamente, com frequência angular ω (por exemplo, pelo campo elétrico da radiação visível: 400 – 750 THz).
Há um elétron em órbita ao redor do núcleo do sistema. Sua posição é →r e sua carga é e=−q, sendo q=1.602×10−19 C. O efeito da distribuição dessa carga ao redor do núcleo será considerado análogo ao efeito de um dipolo elétrico, de vetor:
→D=e→r=−q→r.
A interação do elétron–dipolo com o campo elétrico produz esta energia (o sinal de menos faz parte da fórmula):
h=−→E⋅→D.
O campo elétrico aponta na direção do vetor de polarização →Λ:
→E(→r,t)=→ΛE(→r)e−iωt.
Isso implica em:
h(t)=q(→Λ⋅→r)E(→r)e−iωt.
Agora, chamando:
h0=q(→Λ⋅→r)E(→r),
a perturbação periódica é:
h(t)=h0e−iωt.
A probabilidade de transição é estudada no artigo Comportamento dependente do tempo da probabilidade de transição. A considerar um sistema com dois níveis de energia, no regime de acoplamento fraco, a amplitude de probabilidade de transição, do estado fundamental para o estado excitado, é determinada resolvendo:
dC2←1dt=1iℏ⟨φ2|h(t)|φ1⟩ei(E2−E1)t/ℏ.
A substituir a perturbação periódica:
dC2←1dt=1iℏ⟨φ2|h0e−iωt|φ1⟩ei(E2−E1)t/ℏ.
O que implica em:
dC2←1dt=1iℏ⟨φ2|h0|φ1⟩ei(E2−E1−ℏω)t/ℏ.
Se a perturbação começa em t=0, a solução dessa equação é:
C2←1=1iℏ∫t0dt′⟨φ2|h0|φ1⟩ei(E2−E1−ℏω)t′/ℏ.
Ou:
C2←1=1iℏ⟨φ2|h0|φ1⟩∫t0dt′ei(E2−E1−ℏω)t′/ℏ.
Agora, resolve-se a integral:
C2←1=1iℏ⟨φ2|h0|φ1⟩∫t0dt′ei(E2−E1−ℏω)t′/ℏ=1iℏ⟨φ2|h0|φ1⟩1i(E2−E1−ℏω)/ℏ(ei(E2−E1−ℏω)t/ℏ−1)=−⟨φ2|h0|φ1⟩E2−E1−ℏω(ei(E2−E1−ℏω)t/ℏ−1)×2ie−i(E2−E1−ℏω)t/2ℏ2ie−i(E2−E1−ℏω)t/2ℏ=−⟨φ2|h0|φ1⟩E2−E1−ℏω(ei(E2−E1−ℏω)t/2ℏ−e−i(E2−E1−ℏω)t/2ℏ2i)×2ie−i(E2−E1−ℏω)t/2ℏ=−⟨φ2|h0|φ1⟩E2−E1−ℏω×sin[(E2−E1−ℏω)t2ℏ]×2i×ei(E2−E1−ℏω)t/2ℏ.
Essa amplitude de probabilidade resulta na probabilidade de transição:
|C2←1|2=|⟨φ2|h0|φ1⟩|2×4sin2[(E2−E1−ℏω)t2ℏ](E2−E1−ℏω)2.
Esse resultado pode ser melhorado. A multiplicar por t2ℏ:
|C2←1|2=|⟨φ2|h0|φ1⟩|2×4t2ℏsin2[(E2−E1−ℏω)t2ℏ](E2−E1−ℏω)2t2ℏ,
obtém-se:
|C2←1|2=2tℏ|⟨φ2|h0|φ1⟩|2×sin2[(E2−E1−ℏω)t2ℏ](E2−E1−ℏω)2t2ℏ.
A chamar ΔE=E2−E1, a função
sin2[(ΔE−ℏω)t2ℏ](ΔE−ℏω)2t2ℏ
é conhecida como função “pico de difração,” pois relaciona-se com o padrão de difração de uma fenda única — ver a Fig. 2.1. Quando ℏω→ΔE, representa um delta:
δ(ΔE−ℏω)≡1πsin2[(ΔE−ℏω)t2ℏ](ΔE−ℏω)2t2ℏ.
A substituir o delta, a probabilidade de transição causada pela perturbação periódica é:
|C2←1|2=2πtℏ|⟨φ2|h0|φ1⟩|2δ(E2−E1−ℏω).
A taxa de transição (W) é a probabilidade de transição por unidade de tempo. É determinada fazendo a derivada da probabilidade de transição no tempo. Isso nos leva à regra de ouro de Fermi para o caso de perturbação periódica e transição do estado fundamental para o excitado:
W2←1=2πℏ|⟨φ2|h0|φ1⟩|2δ(E2−E1−ℏω).
A taxa de transição para a absorção depende do delta. Isso significa que transições por segundo ocorrerão se a radiação estimuladora for monocromática, com frequência (ω) igual à frequência da transição atômica (E2−E1)/ℏ. A “força da transição” está no termo:
|⟨φ2|h0|φ1⟩|2=|⟨φ2|q(→Λ⋅→r)E(→r)|φ1⟩|2=q2|⟨φ2|(→Λ⋅→r)|φ1⟩|2|⟨φ2|E(→r)|φ1⟩|2.
Pode-se chamar de θ, o ângulo entre o vetor de polarização do campo elétrico e vetor de posição do elétron. Nesse caso,
|⟨φ2|h0|φ1⟩|2=q2cos2θ|⟨φ2|→r|φ1⟩|2|⟨φ2|E(→r)|φ1⟩|2.
Ademais, pode-se levar em conta todos ângulos entre o vetor de polarização e o vetor posição, substituindo a média ¯cos2θ=13:
|⟨φ2|h0|φ1⟩|2=13q2|⟨φ2|→r|φ1⟩|2|⟨φ2|E(→r)|φ1⟩|2.
A taxa de emissão também é determinada através dos passos (2.7) até (2.19) — com algumas adaptações:
(a) A equação da amplitude de probabilidade para a transição do estado excitado para o fundamental é:
dC1←2dt=1iℏ⟨φ1|h(t)|φ2⟩ei(E1−E2)t/ℏ.
(b) A perturbação (2.6) é substituída por:
h(t)=h0e+iωt.
(c) O resultado é:
W1←2=2πℏ|⟨φ1|h0|φ2⟩|2δ(E1−E2+ℏω).

Figura 2.1: Contorno da função pico de difração.
3 Campo como osciladores quânticos
Ideias quânticas para o campo eletromagnético apresenta consequências do campo eletromagnético oscilar como oscilam osciladores quânticos. Nessa representação, a energia armazenada no campo é quantizada em fótons (deixa de ser contínua). Também, a energia não parte do zero, há energia, na ausência de fótons, a chamada energia de vácuo de fótons ou energia do ponto zero. Robert Bennett et al apresentam outro ponto importante: A quantização do campo eletromagnético se dá pela transforção do campo elétrico em um operador de campo elétrico e pela trasformação do campo magnético em um operador de campo magnético. O operador de campo elétrico e o operador de campo magnético são escritos em termos de operadores do oscilador quântico: do operador de criação de excitação própria (a+) e do operador de aniquilação de excitação própria (a); e o hamiltoniano do campo eletromagnético se torna análogo ao hamiltoniano de um conjunto independente de osciladores quânticos.
O acoplamento do campo elétrico espacial com o dipolo elétrico se manifesta nesta expressão:
h0=−→E(→r)⋅→D.
Nota: O termo temporal e−iωt foi parar dentro da fórmula da regra de ouro — veja a passagem (2.8) → (2.9).
O dipolo é criado pelo elétron (carga negativa):
→D=e→r=−q→r.
h0=q→E(→r)⋅→r.
A forma quantizada do campo elétrico é (Robert Bennett 2016):
→E(→r)=i→Λ√ℏω2ε0L3(aei→k⋅→r−a+e−i→k⋅→r).
Essa fórmula pode ser simplificada para o caso de ondas no visível. Por exemplo, a luz vermelha (400 THz) possui magnitude de vetor de onda igual a k=8.4×106 m−1. Se o raio da orbita do elétron for considerado igual ao raio de Bohr (r=a0=0.53×1010 m), obtém-se, kr=0.00045≪1 e e±i→k⋅→r≈1, o que implica em:
→E(→r)=i→Λ√ℏω2ε0L3(a−a+).
Na equação acima, →Λ é o vetor de polarização.
O estado número de fóton (|n⟩) representa n fótons de energia ℏω. Os operadores aniquilação (a) e criação (a+) operam da seguinte maneira nesse estado:
a|n⟩=√n|n−1⟩,a+|n⟩=√n+1|n+1⟩.
h0=iq(→Λ⋅→r)√ℏω2ε0L3(a−a+).
Pela simplicidade, vamos considerar a onda se propagando na direção do eixo z, →k=kˆz, e o campo elétrico polarizado verticalmente (na direção do eixo x), →Λ=ˆx, conforme ilustrado na Fig. 3.1. Visto que o vetor que posiciona o elétron dentro do átomo tem coordenadas →r=xˆx+yˆy+zˆz, obtém-se:
→k⋅→r=kz,→Λ⋅→r=x,h0=iqx√ℏω2ε0L3(a−a+).
A tornar a notação mais clara, vamos escrever:
h0=S(xa−xa+),
e chamar:
S=iq√ℏω2ε0L3,|S|2=q2ℏω2ε0L3.

Figura 3.1: Vista esquemática de um campo elétrico polarizado verticalmente se propagando para interagir com um dipolo elétrico com orientação arbitrária.
4 Taxa de absorção
Vamos trabalhar com a regra de ouro preparada para o caso da absorção (2.19) e com a equação (3.9).
O átomo (ou o poço quântico) se encontra no estado fundamental (ϕ1). Ao seu redor, há (n) fótons. O átomo sofre transição para o estado excitado (ϕ2) : absorve um fóton. Agora, ao seu redor há (n−1) fótons.
Antes da transição, o sistema átomo/fótons estava no estado:
|φ1⟩=|ϕ1⟩|n⟩=|ϕ1,n⟩.
Depois da transição, o sistema foi para o estado:
|φ2⟩=|ϕ2⟩|n−1⟩=|ϕ2,n−1⟩.
A substituir os estados na equação (2.19), obtém-se
W2←1=2πℏ|⟨ϕ2,n−1|h0|ϕ1,n⟩|2δ(E2−E1−ℏω).
A utilizar as propriedades dos operadores:
⟨ϕ2,n−1|xa|ϕ1,n⟩=⟨ϕ2|x|ϕ1⟩⟨n−1|a|n⟩=⟨ϕ2|x|ϕ1⟩√n,⟨ϕ2,n−1|xa+|ϕ1,n⟩=⟨ϕ2|x|ϕ1⟩⟨n−1|a+|n⟩=0.
E a substituir os resultados acima na equação (4.3):
Wabsorção2←1=n2πℏ|S|2|⟨ϕ2|x|ϕ1⟩|2δ(E2−E1−ℏω).
5 Taxa de emissão
Agora vamos trabalhar com a regra de ouro preparada para o caso da emissão (2.25) e novamente com a equação (3.9).
O átomo (ou o poço quântico) se encontra no estado excitado (ϕ2). Ao seu redor, há (n) fótons. O átomo sofre transição para o estado fundamental (ϕ1): emite um fóton. Agora, ao seu redor há (n+1) fótons.
Antes da transição, o sistema átomo/fótons estava no estado:
|φ2⟩=|ϕ2⟩|n⟩=|ϕ2,n⟩.
Depois da transição, o sistema foi para o estado:
|φ1⟩=|ϕ1⟩|n+1⟩=|ϕ1,n+1⟩.
A substituir os estados na equação (2.25), obtém-se
W1←2=2πℏ|⟨ϕ1,n+1|h0|ϕ2,n⟩|2δ(E1−E2+ℏω).
A utilizar as propriedades dos operadores:
⟨ϕ1,n+1|xa|ϕ2,n⟩=⟨ϕ1|x|ϕ2⟩⟨n+1|a|n⟩=0,⟨ϕ1,n+1|xa+|ϕ2,n⟩=⟨ϕ1|x|ϕ2⟩⟨n+1|a+|n⟩=⟨ϕ1|x|ϕ2⟩√n+1.
E a substituir os resultados acima na equação (5.3):
W1←2=(n+1)2πℏ|S|2|⟨ϕ1|x|ϕ2⟩|2δ(E1−E2+ℏω).
Essa equação pode ser separada em duas partes:
Westimulada1←2=n×2πℏ|S|2|⟨ϕ1|x|ϕ2⟩|2δ(E1−E2+ℏω).
Wespontânea1←2=1×2πℏ|S|2|⟨ϕ1|x|ϕ2⟩|2δ(E1−E2+ℏω).
O método foi capaz de explicitar a taxa de transição da emissão espontânea! Algo não realizável considerando o campo elétrico na sua forma clássica. O conceito de emissão espontânea é fruto da mente brilhante de Einstein (Einstein 1917). Todavia, seu trabalho não considerou o campo de acordo com a teoria eletromagnética quântica. A quantização do campo eletromagnético foi realizada pela primeira vez por Dirac (Dirac 1927). O resultado (5.7) prova que a emissão espontânea decorre da quantização do campo eletromagnético.
A emissão espontânea não depende dos fótons que rodeiam o átomo: observe que o número de fótons (n) só pararece na fórmula da emissão estimulada. Isso significa que qualquer corpo (mesmo na ausência de fótons) emite radiação espontânea — o que se conclui:
A emissão espontânea é estimulada pelo campo de vácuo.
Os resultados (5.6) e (5.7) mostram que os fótons podem ser produzidos por emissão estimulada ou espontânea. Uma vez gerados por emissão espontânea, esses fótons podem ser utilizados para impulsionar a emissão estimulada — princípio básico do funcionamento de um laser: a emissão espontânea dá o “pontapé inicial” na contagem do número de fótons necessário para desencadear a emissão estimulada — e amplificar o número de fótons emitidos.
6 Modos de campo eletromagnético
A decomposição do campo eletromagnético em componentes dinamicamente independentes é chamada de decomposição de modo normal. Um análogo geométrico seria a decomposição de um vetor em suas componentes ao longo dos eixos (x,y,z). A decomposição de modo normal é mais “robusta” que a vetorial, pois envolve mais elementos. Por exemplo, um conjunto infinito de ondas transversais planas é o caso mais famoso de uma base de modos normais utilizada para realizar decomposição.
Um campo elétrico genérico (→E), então, pode ser decomposto em modos normais independentes (→Eℓ), sendo cada ℓ caracterizado por quatro números (nx,ny,nz,Λ):
→E(→r,t)=∑ℓ→Eℓ(→r,t).
Somar em ℓ significa correr os quatro índices. Os três primeiros (nx,ny,nz) são números inteiros (positivos, negativos ou zero) e estão relacionados com o vetor de propagação (o número de onda é quantizado dentro de uma caixa cúbica de volume L3box):
→k=kxˆx+kyˆy+kzˆz=2πLbox(nxˆx+nyˆy+nzˆz).
O contador Λ é decorrente da condição transversal a qual permite 2 polarizações para cada vetor de onda: Λ=1, realiza a contagem da polarização →Λ1; e Λ=2, a contagem da polarização →Λ2.
Entende-se, então, que o contador ℓ pode assumir os seguintes valores:
ℓ=(+|nx|, +|ny|, +|nz|, 1)ℓ=(+|nx|, +|ny|, +|nz|, 2)ℓ=(−|nx|, −|ny|, −|nz|, 1)ℓ=(−|nx|, −|ny|, −|nz|, 2)
Nota: É óbivio, se o objetivo é contar vetores de onda (desconsiderando as polarizações), ℓ perde o contador Λ, ou seja: ℓ=(nx,ny,nz,Λ)→ℓ=(nx,ny,nz); e a contagem total cai pela metade:
ℓ=(+|nx|, +|ny|, +|nz|)ℓ=(−|nx|, −|ny|, −|nz|)
A frequência angular é determinada pela fórmula ω=c|→k| (e não depende da polarização). Resulta em um mesmo valor quando os vetores de onda apontam em direções opostas: ω(ℓ>0)=c|→k(ℓ>0)|=c|→k(ℓ<0)|=ω(ℓ<0). Isso quer dizer que a onda para a direita e a sua “clone” para a esquerda vibram com a mesma frequência angular. Acrescente a esse quadro as polarizações (duas) e conclua com o auxílio da figura 6.1 que a frequência angular ωℓ se relaciona com 4 modos de oscilação.
Modo 1: onda para a direira (polarização vertical).
Modo 2: onda para a direita (polarização horizontal).
Modo 3: onda para a esquerda (polarização vertical).
Modo 4: onda para a esquerda (polarização horizontal).

Figura 6.1: Quatro modos do campo eletromagnético que vibram com a mesma frequência angular.
Ao realizar a contagem dos modos esta pergunta deve ser respondida:
Quantos modos existem entre as frequências angulares ω e ω+dω?
Vamos chamar essa resposta de g(ω)dω.
Antes de responder essa questão, devemos nos perguntar:
Quantos vetores de propagação existem entre os números de onda k e k+dk?
Vamos chamar essa resposta de g(k)dk. Ao pensar de acordo com a geometria do espaço-k, no eixo x, de acordo com equação (6.2), dois pontos consecutivos, por exemplo, os pontos nx=99 e nx=100, estão distantes (2π/Lbox) — análogo para os eixos y e z. Isso quer dizer, →k ocupa o espaço de um cubo de volume (2π/Lbox)3. Em geometria, a fórmula do volume de uma casca esférica é 4πk2dk. Portanto, encontra-se a quantidade de vetores em questão dividindo o volume da casca pelo volume do cubo:
g(k)dk=4πk2dk(2π/Lbox)3=L3boxk22π2dk.
O resultado acima deve ser corrigido para levar em conta as 2 polarizações transversais dos vetores de propagação:
g(k)dk=2×L3boxk22π2dk.
Nota: A onda plana eletromagnética não polariza ao longo do eixo de propagação. Porém, em sólidos, a onda plana elástica possui 1 modo longitudinal e 2 transversais e a correção se faz ×3 com o ajuste: L3box→L3solid.
O próximo passo é relacionar o número de onda com a frequência angular:
ω=c k → dω=c dk.
A substituir os resultados (6.7) no resultado (6.6), obtém-se:
g(ω)dω=L3boxω2π2c3dω.
ou:
g(ω)=L3boxω2π2c3.
A dividir por L3box:
g(ω)=ω2π2c3.
Unidades e interpretações:
(6.8) [adimensional]: g(ω)dω é o número de modos entre ω e ω+dω.
(6.9) [1s−1]: g(ω) é o número de modos por unidade de intervalo de frequência angular, ou, a densidade de modos na escala de frequência angular.
(6.10) [1m3s−1]: g(ω) é o número de modos por unidade de volume por unidade de intervalo de frequência angular.
O gráfico da densidade (6.10) — para alguns valores de frequência comum (Hz) — é apresentado na Fig. 6.2. Observa-se que o canal de alta-frequência disponibiliza mais modos que o de baixa-frequência. Veja, por exemplo, o canal 800 THz disponibiliza 100000 modos/m3/s−1; enquanto que o canal 400 THz disponibiliza 1/4 desse valor (25000 modos/m3/s−1).

Figura 6.2: Densidade modos de campo eletromagnético.
Pela simplicidade, agora vamos chamar L3box=V.
Até o momento, a densidade de modos foi escrita na escala de frequência angular. A trabalhar na escala de energia, deve-se lembrar que o número de modos no espaço-energia é igual ao número de modos no espaço-omega:
g(E)dE=g(ω)dω→g(E)=g(ω⏟Eℏ−1)|dωdE|⏟ℏ−1.
E, com a equação (6.9), obtém-se a densidade de modos na escala de energia:
g(E)=V(Eℏ−1)2π2c3ℏ−1=VE2π2c3ℏ3.
Outra opção é trabalhar na escala de frequência ordinária. Nesse caso, o número de modos no espaço-frequência é igual ao número de modos no espaço-omega:
g(ν)dν=g(ω)dω→g(ν)=g(ω⏟2πν)|dωdν|⏟2π.
E, novamente com a equação (6.9), obtém-se a densidade de modos na escala de frequência ordinária:
g(ν)=V(2πν)2π2c32π=V8πν2c3.
Por fim, se o desejo é trabalhar na escala de comprimento de onda, o número de modos no espaço-lambda é igual ao número de modos no espaço-omega:
g(λ)dλ=g(ω)dω→g(λ)=g(ω⏟c2πλ−1)|dωdλ|⏟c2πλ−2.
E, novamente com a equação (6.9), obtém-se a densidade de modos na escala de comprimento de onda:
g(λ)=V(c2πλ−1)2π2c3c2πλ−2=V8πλ4.
Conexões são importantes. As formas alternativas da energia são:
E=ℏω=hν=hcλ.
Isso quer dizer que:
EV × (6.9) = ℏω3π2c3;
EV × (6.12) = E3π2c3ℏ3;
EV × (6.14) = 8πhν3c3;
EV × (6.16) = 8πhcλ5.
Agora vem a conexão: Esses termos fazem parte da Lei de Planck quando escrita na escala da frequência angular, energia, frequência ordinária e comprimento de onda, respectivamente — pode-se ver as fórmulas em: Ideias quânticas para o campo eletromagnético.
6.1 Modos e Lei de Planck
A radiação de corpo negro se comporta em função da temperatura de acordo com a lei de Planck (Planck 1900):
u(ω,T)=ℏω3π2c31exp(ℏω/kBT)−1.
Vamos multiplicar ambos lados da equação acima por L3boxdω e, com o auxílio da equação (6.8), escrever a lei de Planck em um novo arranjo de termos:
L3boxu(ω,T)dω=L3boxω2π2c3dω1exp(ℏω/kBT)−1ℏω.
O que implica em:
L3boxu(ω,T)dω=[g(ω)dω×⟨n(ω,T)⟩]ℏω.
Tal escrita destaca os modos e o número de ocupação desses modos (Mandel 1979):
⟨n(ω,T)⟩=1exp(ℏω/kBT)−1.
O interior de uma caixa cúbica de volume L3box na temperatura Tbox pode vibrar com uma variedade apreciável de frequências: {…,ω⋄,ω⋆,ω∘,…}.
Ao focalizar na frequência angular ω⋆, é evidente que há [g(ω⋆)dω] modos disponíveis entre ω⋆ e ω⋆+dω. Porém, não há informação se esses modos estão ativos na temperatura em que a caixa se encontra.
O número ⟨n(ω⋆,Tbox)⟩ revela quantos modos poderão se tornar ativos (ocupados) na frequência e temperatura em questão.
É o casamento perfeito: modos disponíveis com possibilidade de ativação!
Dito isso, torna-se claro que há [g(ω⋆)dω×⟨n(ω⋆,Tbox)⟩] modos ativos entre ω⋆ e ω⋆+dω. Ademais, cada modo ativo contribui com a energia ℏω⋆.
Ao somar a energia total na caixa, os modos que vibram entre ω⋆ e ω⋆+dω contribuem com a parcela de energia [g(ω⋆)dω×⟨n(ω⋆,Tbox)⟩]ℏω⋆. As outras parcelas são decorrentes de modos que vibram em outros intervalos de frequência, por exemplo, entre ω⋄ e ω⋄+dω.
7 Taxa de transição para um conjunto de estados quase-contínuos
A regra de ouro preparada para os casos de absorção (2.19) e emissão (2.25) se aplica exclusivamente quando o “salto quântico” ocorre entre estados discretos. Mas isso nem sempre acontece! Um dos níveis (fundamantal ou excitado) pode estar centralizado em um conjunto de estados quase-contínuos. Nesse caso, é necessário adaptar as fórmulas — com o auxílio da densidade de estados de elétrons na escala de energia, ge(E).
Algo que se deve lembrar é a seguinte propriedade da função delta:
∫dx f(x)δ(x−X)=f(X).
Agora vamos trabalhar o caso da absorção e, depois, fazer alguns ajustes para resolver o caso da emissão.
Na absorção, o “salto” é do nível discreto E1 para um conjunto de níveis quase-contínuos centalizado em Ef=E2: Ea<Ef<Eb. Isso significa que precisamos somar cada “salto” usando a fórmula (2.19):
W2←1=∑f2πℏ|⟨φf|h0|φ1⟩|2δ(Ef−[E1+ℏω]).
Cada termo da equação (7.2) leva em conta a contribuição de “1–salto.” Precisamos somar vários “saltos.” Visto que os níveis de energia são muito próximos uns dos outros, a somatória pode ser substituída por uma integral. O número de “saltos” entre Ef e Ef+dEf é determinado pelo número de estados nesse intervalo: ge(Ef)dEf. Então, faz-se a troca da ∑f pela ∫ge(Ef)dEf (Stedman 1971):
W2←1=2πℏ|⟨φf|h0|φ1⟩|2∫dEf ge(Ef)δ(Ef−[E1+ℏω]).
E, usando a propriedade (7.1):
W2←1=2πℏ|⟨φf|h0|φ1⟩|2ge(E1+ℏω).
Na absorção, E1+ℏω=E2:
W2←1=2πℏ|⟨φ2|h0|φ1⟩|2ge(E2).
O resultado é claro: a taxa de absorção é proporcional à densidade de estados excitados: ge(E2).
Você já deve ter concluído que a a taxa de emissão será proporcional à densidade de estados fundamentais: ge(E1). Tem razão, na emissão, o “salto” ocorre do nível discreto E2 para um conjunto de níveis quase-contínuos centalizado em Ei=E1. A somatória (2.25) se transforma nesta integral:
W1←2=2πℏ|⟨φi|h0|φ2⟩|2∫dEi ge(Ei)δ(Ei−[E2−ℏω]).
E, usando novamente a propriedade (7.1):
W1←2=2πℏ|⟨φi|h0|φ2⟩|2ge(E2−ℏω).
Na emissão, E2−ℏω=E1:
W1←2=2πℏ|⟨φ1|h0|φ2⟩|2ge(E1).
As taxas de transição (7.5) e (7.8) possuem a mesma estrutura. Há uma constante, o termo que expressa a “força da transição” e a densidade de estados de elétrons. Porém, o grande diferencial é o argumento da densidade de estados. Observa-se que a densidade “segue” a seta da transição.
Transição (2←1) ⟹ ge(E2) .
Transição (1←2) ⟹ ge(E1) .
Conclui-se que a densidade de estados que aparece na regra de ouro de Fermi é a densidade de estados finais.
A fórmula da densidade de estados de elétrons é determinada usando princípios da mecânica quântica atômica. Mas acredito ser possível buscar um caminho alternativo. Vamos raciocinar. Na emissão, cada transição (i←2) gera 1-fóton de energia (E2−Ei). As várias transições — para um conjunto de estados quase-contínuos — vão gerar um acúmulo de fótons com energia ao redor de (E2−E1). A equação (6.12) expressa a densidade de modos de campo eletromagnético na escala de energia, a qual, está relacionada com a emissão atômica que está relacionada com a densidade de estados fundamentais. Portanto, a densidade de estados finais que entra na equação (7.8) [e também na (7.5)] pode ser substituída pela densidade de estados de fótons:
ge(E1)→g(E2−E1)=Vbox(E2−E1)2π2c3ℏ3.
Esse resultado é incrível! Mostra que a emissão é controlada pelo volume da caixa! Quer dizer, se fizermos uma caixa bem pequena, da ordem de grandeza do comprimento de onda que o átomo deseja emitir, é possível ocorrer a supressão da emissão atômica (W Jhe 1987).
8 Conclusão
A descrição quântica da interação da radiação eletromagnética com a matéria, em que os átomos e o campo eletromagnético são quantizados, é eficaz em determinar as taxas de absorção e emissão. Destaca-se a emissão espontânea. Antes, pela descrição semi-clássica, é entendida através dos coeficientes de Einstein. Agora, pela descrição quântica, fica evidente que decorre da quantização do campo eletromagnético.
Conclui-se, também, que a regra de ouro de Fermi é uma ferramenta adaptável: pode ser utilizada para lidar com transições entre estados discretos e entre estado discreto e conjunto de estados quase-contínuos.
Referências
Weisstein, Eric W. “Delta Function.” From MathWorld — A Wolfram Web Resource: https://mathworld.wolfram.com/DeltaFunction.html.